Quanto vale a sua alma?

Título: Quanto vale a sua alma?

Ementa: Vós! Lhes trago uma nova barganha… Uma proposta tão ousada que só pode surgir como uma aposta… Vós dareis as suas almas a mim por aquilo que mais desejam? E o que eu Mefistófoles aposto? A minha servidão até alcançares o teu desejo! Dizes tu afinal… quanto vale a tua alma?

Disciplina: Filosofia

Nível de Ensino: Médio

Série: 3º ano do Ensino médio sendo possível a aplicação aos demais anos do Ensino Médio.

Problema filosófico: É possível valorar um ser humano?

Tema da unidade: Filosofia e literatura.

Período de execução do plano: Este plano está formatado para o período de duas horas/aula. 90 min.

Objetivos gerais:

  • Refletir sobre um dos dilemas apresentados por Goethe em Fausto;
  • Debater sobre a possibilidade ou não de se atribuir um valor a um indivíduo;
  • Diferenciar prazeres curtos de prazeres longos;

Conteúdos constituidores da aprendizagem:

  • Leitura de trecho da obra Fausto de Goethe;
  • Reflexão sobre os prazeres de Epicuro;
  • Debates para dialogar, perceber outras opiniões e construir uma nova compreensão sobre o tema.
Metodologia:

Primeira parte da oficina
Elementos pré oficina: (tempo estimado 5 minutos)
  • Organizar a sala em círculo;
  • Apresentação dos ministrantes da oficina.

Apresentar a obra
Tempo de duração: a: 7 min.; b: 7 min.; c: 20 min.; d: 10 min.
Momento a - contextualizar autor
Johann Wolfgang von Goethe (alemão: Frankfurt am Main, 28 de Agosto de 1749 — Weimar, 22 de Março de 1832) foi um autor e estadista alemão que também fez incursões pelo campo da ciência natural. Como escritor, Goethe foi uma das mais importantes figuras da literatura alemã e do Romantismo europeu, nos finais do século XVIII e inícios do século XIX. Juntamente com Friedrich Schiller, foi um dos líderes do movimento literário romântico alemão Sturm und Drang.
De sua vasta produção fazem parte: romances, peças de teatro, poemas, escritos autobiográficos, reflexões teóricas nas áreas de arte, literatura e ciências naturais. Além disso, sua correspondência epistolar com pensadores e personalidades da época é grande fonte de pesquisa e análise de seu pensamento.
Através do romance Os Sofrimentos do Jovem Werther, Goethe tornou-se famoso em toda a Europa no ano de 1774 e, mais tarde, houve um amadurecimento de sua produção, influenciada sobretudo pela parceria com Schiller, no qual em conjunto tornou-se o mais importante autor do Classicismo de Weimar. Sua obra prima, porém, é o drama trágico Fausto, publicado em fragmento em 1790, depois em primeira parte definitiva em 1808 e, por fim, numa segunda parte, em 1832, ano de sua morte, tomando-lhe, portanto, a vida inteira. Goethe é até hoje considerado o mais importante escritor alemão, cuja obra influenciou a literatura de todo o mundo.


Momento b - apresentação dos personagens
Aqui são apresentados brevemente alguns dos personagens principais da obra.

  • Fausto: um sábio erudito:  
Personagem principal da obra, alvo da aposta entre Deus e Mefistófoles. Conhecedor de diversas áreas do conhecimento, mas não se sente mais sábio, ao contrário cada vez se percebe mais ignorante;

  • Mefistófeles: um demônio:
Mefistófoles representa o diabo e é o apostador da história. Aposta com Deus que consegue perverter a alma de Fausto e com Fausto, aposta que consegue dar a ele algo tão sublime que ele sinta que nada mais valerá a pena ver;

  • O Senhor: Deus:
Personagem que só aparece no início da obra e é quem aceita a aposta pela alma de um de seus fiéis seguidores, Fausto;

  • Margarida: o amor de Fausto:
Jovem tão pura que deixa Fausto encantado quando passa por ele na rua. Ela se apaixona por Fausto e assim começa a sua tragédia;

  • Valentim: irmão de Margarida:
Irmão mais velho de Margarida. Ele desafia Fausto a um duelo ao saber que foi ele quem dormiu com a sua irmã;

  • Wagner: assistente de Fausto:
Assistente de Fausto o acompanha durante o começo da obra. Um ajudante que também é um amigo. Venera o seu mestre e o acompanha em uma caminhada.


Momento c - leitura encenada

A leitura encenada se encontra em anexo a este arquivo. O anexo deve ser tirada cópias para serem entregues para a turma para que a leitura seja feita pelos alunos. Não é necessário que o mesmo aluno interprete o mesmo personagem. Será mais proveitoso que a leitura seja feita pelo máximo de alunos possíveis para que a atividade ocorra de modo mais dinâmico.
Abaixo segue apenas o resumo da obra sem as falas dos personagens para a leitura encenada.
A Parte I é uma história complexa que abarca múltiplos cenários. Não está dividida em atos, mas sim em cenas. Após um poema dedicatório e um prelúdio, a ação começa no Céu, onde Mefistófeles faz uma aposta com Deus: diz que poderá conquistar a alma de Fausto - um favorito de Deus -, um sábio que tenta aprender tudo que pode ser conhecido. A próxima cena ocorre no estúdio de Fausto, onde o erudito reflete sobre as limitações do conhecimento científico, humanista e religioso, e sobre suas tentativas de usar a magia para chegar ao conhecimento ilimitado. Frente ao fracasso, considera o suicídio, mas muda de ideia ao escutar as celebrações de Páscoa na rua. Decide então sair a passear com seu assistente, Wagner, e ambos são seguidos por um cão vagabundo no caminho de volta a casa.
No interior do estúdio, o cão se transforma em Mefistófeles. Os dois chegam ao acordo - selado com sangue - de que Mefistófeles fará tudo o que ele quiser na Terra e, em troca, Fausto terá de servir o demônio no Inferno. Mas há uma cláusula importante: a alma de Fausto será levada somente quando Mefistófeles crie uma situação de felicidade tão plena que faça com que Fausto deseje que aquele momento dure para sempre. Após o pacto, o demônio o leva a uma taverna em Leipzig - o Porão de Auerbach - onde se encontram com um grupo de estudantes bêbados. Fausto, porém, não encontra ali nada que lhe agrade.
Dali, os dois vão em presença de uma bruxa, que por meio de uma poção dá a Fausto a aparência de um homem jovem e belo. A imagem de Helena de Tróia aparece num espelho mágico, e sua beleza impressiona Fausto enormemente (Helena será personagem importante na Parte II). Na rua, Fausto vê a bela Margarida (Gretchen), e pede que Mefistófeles a consiga para ele. Para o demônio é uma dura tarefa devido à natureza pura da menina. Com jóias e a ajuda da vizinha Marta, Mefistófeles consegue um encontro no jardim entre Fausto e Margarida. A moça tem medo de levá-lo ao seu quarto devido à mãe. Fausto dá uma poção do sono a Margarida para adormecer a mãe mas, tragicamente, a poção termina matando-a.
Margarida tem o pressentimento de estar grávida. Valentim está enfurecido pela relação da irmã com Fausto e o desafia a um duelo. Ajudado por Mefistófeles, Fausto mata Valentim, que antes de morrer lança uma maldição contra a irmã. Margarida busca conforto espiritual numa catedral, mas é atormentada por um espírito maligno que a enche de sentimentos de culpa.
Para distraí-lo de Margarida, Mefistófeles leva Fausto à festa da Noite de Santa Valburga (Walpurgisnacht), onde celebram juntos bruxas e demônios. Uma jovem bruxa tenta seduzir Fausto em vão. Enquanto isso, Margarida afogou o filho recém-nascido num sinal de desespero e foi condenada à morte pela justiça. Fausto sente-se culpado por isso e acusa Mefistófeles, que replica que é Fausto quem tem toda a culpa. O demônio consegue a chave da cela de Margarida e Fausto tenta fazer com que ela escape, mas ela resiste porque percebe que ele já não a ama. Ao ver Mefistófeles, Margarida grita "Meu Deus, toda me entrego a teu juízo!". Mefistófeles tira Fausto da cela e diz que "Foi julgada!". Em seguida, um coro celestial afirma "Salvou-se!", indicando que a pureza de Margarida salvou sua alma.

Momento d - filosofia na obra

Filosofia e literatura têm diferenças e semelhanças. Ambas usam a linguagem para comunicar algo a alguém. Na Filosofia, o principal objetivo é expressar conceitos, ideias. Na literatura, existe a narrativa, isto é, o ato de contar uma história. . Existem casos de combinações perfeitas entre narrativa literária e texto filosófico. Um grande exemplo a ser utilizado são as tragédias gregas, onde através de textos teatrais se pode explorar uma vasta gama de conteúdo filosófico. A literatura pode ser considerada uma forma mais lúdica de apresentar conceitos, explorar ideias e propiciar reflexões. A literatura possibilita através de suas histórias envolver o leitor nos acontecimentos, aproximá-lo dos embates filosóficos. Nesta obra de Goethe por exemplo possibilita incontáveis reflexões acerca do pensamento, como hospitalidade,amizade, existência, religião, arte, dentre tantos outros.

Há diversos pontos a serem abordados como sendo propícios para uma reflexão mais filosófica na obra de Goethe. Pode ser pensado, por exemplo, sobre o que mais angustia Fausto que é a sua sede infinita pelo saber. Poderíamos nos indagar: mas é possível ter um conhecimento de tudo? Será que há um limite sobre o número de coisas a serem conhecidas? Sem este problema inicial talvez fausto não teria feito a aposta. E sem este problema também, não haveria o nosso problema! Afinal vale a pena trocar a alma por um momento que seja tão sublime? Podemos questionar também sobre este valor ser tão alto a ponto de trocar o resto da sua existência como escravo?
Segunda Parte da Oficina
Tempo pretendido: (40 min.)

Momento a - quanto vale a sua alma?  ( 8 min.)
Primeiro debate: Quanto vale a sua alma? Após a apresentação do autor e da obra, chegamos ao objetivo central da oficina. Será entregue aos alunos uma folha de papel em  branco (ofício) de tamanho 10 cm², para escrevam ali a resposta a pergunta que faremos a eles, “quanto vale a sua alma?” na parte superior e ao lado escreverem o nome. Será dado um tempo para que eles elaborem e escrevam a sua resposta de 5 à 10 minutos. Após é recolhida as respostas e iniciasse o debate.

Momento b - Debate (15 min.)
Pode-se usar como ponto de partida  as respostas recolhidas (não mencionando a identidade do aluno). O debate tem como propósito construir de forma coletiva as implicações das escolhas. Pode-se perguntar do porquê seria louvável escolher entre “A” e não escolher “B”. Pode-se perguntar se o que fora respondido não é apenas algo que falte no momento presente e após o ter, ver que não era algo que valesse tanto a pena. Mais o que de fato seria algo que valesse a pena de trocar a alma?
Pode-se indagar também que alma é essa e neste caso alguns apontamentos podem ser feitos, como: “Seria a interior e a exterior como na oficina sobre o Espelho de Machado de Assis?” “Seria como a proposta por Dostoiévski na oficina sobre Memórias do Subsolo?” “Uma concepção cristã?” “Uma concepção Espírita?”
Essa alma que se refere na oficina é a mesma que está exposta na obra, que é a de caráter puramente religioso cristão, (após a morte ela tem destino, céu ou inferno). Caso haja dúvida pode-se substituir essa concepção por vida ou até mesmo a ideia de uma servidão eterna. Pois alma é uma questão que abrange muitos questionamentos (como apontados anteriormente) e não é nosso intuito primordial discutirmos sobre a alma num contexto religioso ou científico, pois foge do nosso objetivo principal. De qualquer modo ao se estabelecer qual é o caráter dela e explicitar a sua função como sendo pano de fundo do debate proposto não será difícil de voltar ao foco da oficina.
Aqui o ministrante pode apresentar de forma mais indireta a teoria de Epicuro através da sua problematização. Perguntas podem ser feitas que visem aspectos mais filosóficos. Perguntas podem ser feitas como: “Será que o que trocamos não são de certa forma prazeres?”; “Será que se são prazeres, teria alguma categoria mais elevada de prazeres a serem desejadas?”.

Momento c - nova resposta? (7 min.)
Feito o debate, que temos como objetivo, instigar a reflexão e talvez até lhes causar mais interesses por questões filosóficas (o tema da oficina), a ideia é que após o debate eles possuam um pouco mais de bagagem para repensarem as suas respostas. Então é entregue novamente a resposta de cada um para que a escrevam se houve uma mudança de perspectiva.


Momento d - novo debate (10 min.)
No momento final da oficina poderá ser recolhida novamente as respostas. E ser usada da mesma forma para fomentar o debate. Cabe agora ao ministrante trabalhar com a mudança de opinião ou a não mudança. Por exemplo, algum caso onde o aluno tenha chegado a uma nova conclusão pode ser um ponto de reflexão coletiva (sem revelar o autor). “Alguém que trocaria em um primeiro momento a alma por ‘A’ agora fez uma mudança para ‘B’. Vocês acham que a mudança é melhor ou não?”
Este momento tende a ser um reflexo do que fora apresentado do primeiro debate. As construções que foram criadas pelo primeiro debate mostrará o que foi entendido como algo mais louvável. Caso não seja trabalhado de forma direta Epicuro (terceiro momento) ele pode ser apresentado no primeiro, de forma mais a contemplar sua problemática, e durante este momento caso seja percebido na compreensão da turma pouca reflexão filosófica.
Terceira Parte da Oficina
(caso sobre tempo, devido a pouca participação nos debates)
Tempo pretendido: a: 15 min; b:10 min.
Momento a - Apresentação de Epicuro. (Ênfase na questão dos prazeres)

Para Epicuro haviam dois tipos de prazeres enquanto suas intensidades. O primeiro que são os duradouros, “que encantam o espírito, como a boa conversação, a contemplação das artes, a audição de música etc.” O segundo são os prazeres imediatos que nos satisfazem, mas logo se enfraquecem gerando descontentamento.
Para o filósofo o prazer é a ausência de dor. Ou seja para sentirmos a felicidade que é uma sensação, temos de nos livrar das sensações de dor, sejam elas físicas ou mentais. A Ataraxía é a ausência de dores mentais e a Aponía que é ausência de dores no corpo.
Para isto é necessário o uso da razão para escolher aceitar os prazeres ou os recusar. A razão vai escolher aqueles que não comportam em si dores e perturbações, também aqueles que são fruições apenas momentâneas.
Para conseguir a aponía e a ataraxía Epicuro distingue três tipos de prazeres:
  • prazeres naturais e necessários: São prazeres ligados a manutenção da vida. São eles comer quando se tem fome, beber quando se tem sede, etc…
  • Prazeres naturais mas não necessários: São prazeres ligados a manutenção da vida, mas mais refinados. Como comer mais do que necessita, beber bebidas refinadas, etc..
  • Prazeres não naturais e não necessários: São nascidos das opiniões dos homens e são ligados ao desejo de fortuna, poder e honras.



Momento b - Segundo debate:

A partir do que fora visto sobre as ideias de Epicuro sobre os prazeres como podemos pensar a busca do prazer de Fausto? Será que ele busca um prazer que é duradouro? Ou por outro lado seria sua busca por um prazer que o mais perturba a alma do que lhe proporcione uma ataraxía? Como podemos perceber, pela ótica de Epicuro, o prazer que Fausto busca? Será que para o escritor Goethe o sublime (ou belo) seria um prazer tão valioso e tão digno de ser buscado que valesse a pena a recusa da ataraxía e da aponía?








Referências

https://pt.wikipedia.org/wiki/Johann_Wolfgang_von_Goethe
https://pt.wikipedia.org/wiki/Fausto_(Goethe)
https://sylviapellegrino.wordpress.com/2013/08/17/diferencas-e-harmonia-entre- filosofia-e-literatura/


ANEXO

Momento b - resumo de Fausto: uma tragédia – LEITURA ENCENADA

  • Fausto: um sábio erudito.  
  • Mefistófeles: um demônio;
  • O Senhor: Deus;
  • Margarida: o amor de Fausto;
  • Valentim: irmão de Margarida;
  • Wagner: assistente de Fausto;

A Parte I é uma história complexa que abarca múltiplos cenários. Não está dividida em atos, mas sim em cenas. Após um poema dedicatório e um prelúdio, a ação começa no Céu, onde Mefistófeles faz uma aposta com Deus: diz que poderá conquistar a alma de Fausto - um favorito de Deus -, um sábio que tenta aprender tudo que pode ser conhecido.

MEFISTÓFELES
Já que tu, Senhor, de novo uma vez se aproximas e perguntas o que se passa nos meus domínios e como habitualmente gostaste de me ver, assim vês-me também no meio de tua corte. Perdoa, não sei forjar palavras elevadas, e, se também toda a sociedade escarnece de mim, meu Pathos, certamente, te levaria a rir, não estivesses tu habituado disso. De sol e de mundo nada sei dizer, vejo apenas como os homens se atormentam. O pequeno Deus do mundo continua na mesma e está tão admirável assim como no primeiro dia. Um pouco melhor ele viveria, não lhes tivesses dado o brilho da luz celeste, ele chama isto de razão e lança mão dela somente para ser mais animalesco do que cada animal. Ele me parece com perdão de Vossa Graça, uma cigarra de longas penas, que sempre voa e voando salta, e imediatamente na relva canta sua velha cançãozinha! Oxalá jazesse ele para sempre na relva! Mas em cada esterquilínio enterra o seu nariz.

O SENHOR
Não tem mais que me dizer? Sempre vens somente para te queixares? Tudo não te corre bem eternamente na terra?

MEFISTÓFELES
Não Senhor, eu acho como sempre cordialmente mau o que lá se passa: Os homens me penalizam com suas lamentações diárias. Nem sequer posso mesmo atormentar os pobrezinhos.

O SENHOR
Conheces o Fausto?

MEFISTÓFELES
Quem o doutor?

O SENHOR
Meu servidor!

MEFISTÓFELES
Deverás! Ele vos serve de modo especial. A comida e a bebida deste louco são terrenas. Sua agitação o impele para longe, ele é meio consciente de sua loucura; do céu solicita as mais belas estrelas, da terra, cada prazer mais requintado, e tudo que está ao seu alcance e tudo que está fora dele não satisfaz suas profundas ambições.

O SENHOR
Embora ele, perturbado agora pelo erro, me sirva, em breve le-vá-lo-ei à claridade da verdade. Sabe, com efeito,  o jardineiro, quando o arbusto reverdece, que flor e que fruto ornam os anos futuros.

MEFISTÓFELES
Que apostais? Arriscai-vos a perdê-lo se não me derdes permissão para guia-lo suavemente no meu caminho.

O SENHOR
Enquanto ele viver sobre a Terra, isto não te é proibido. O homem erra, sempre que ambiciona.


MEFISTÓFELES
Por isso Vos agradeço; pois jamais gosto de me mostrar tímido com os mortos. De preferência gosto das faces frescas e rechonchudas, não quero nada com cadáveres; comigo é como o gato com o rato.

O SENHOR
Ora bem. Deixo-te totalmente a vontade. Tira este espírito de sua fonte primitiva, já que pode apoderar-te dele, guia-o em teu caminho, precipita-o no abismo, e fica envergonhado se deveres confessar: um homem bom, mesmo n escravidão do erro, é muito consciente do caminho certo.
A próxima cena ocorre no estúdio de Fausto, onde o erudito reflete sobre as limitações do conhecimento científico, humanista e religioso, e sobre suas tentativas de usar a magia para chegar ao conhecimento ilimitado. Frente ao fracasso, considera o suicídio, mas muda de ideia ao escutar as celebrações de Páscoa na rua.

FAUSTO
Tenho estudado até agora! Ah! Filosofia, Jurisprudência, Medicina e por desgraça também Teologia, profundamente com ardente esforço. Pobre louco, continuo na mesma! Eu sou tão sábio como dantes; com efeito, chamam-me mestre, chamam-me Doutor, arrasto e levo para onde quero, já há dez anos, para cima e para baixo, a torto e a direito, meus discípulos. E vejo que nada podemos saber! Isto quase me corrói o coração. Na verdade ainda sou mais atilado que todos os patetas, doutores mestres, funcionários e monges; não me atormenta nem escrúpulo nem dúvida, não temo inferno nem diabo também, foi-me arrebatada toda a alegria, não sei do que de certo devo saber, nem do que poderia ensinar para melhorar e converter os homens. Também não tenho dinheiro nem riquezas; Também não tenho dinheiro nem riquezas; Tampouco honrarias e grandezas do mundo; nenhum cão suportaria essa vida! Por isso, entreguei-me à magia para ver se, pela força do espírito e da palavra, me tornaria conhecedor de alguns segredos; para que eu não mais precisasse dizer, com ácido suor, aquilo que não sei, para que conhecesse aquilo que o mundo encerra no mais íntimo, contemplasse todas as forças atuantes e as sementes de tudo, e não mais me cansasse em aquietar palavreados ocos. Cercado por este montão de livros que vermes carcomem e o pó cobre e que papéis enegrecidos pela fumaça da lâmpada enchem até o cimo desta alta abóbada, cercado de retortas, de caixas, apinhado de instrumentos herdados – entaipado lá dentro de velhos trastes de meus avós, isto é o teu mundo! Isto se chama um mundo!
Desce da abóbada um calafrio e se apodera de mim! Eu sinto; tu adejas em torno de mim, espírito invocado! Descobre-te Ah! Comos e rasga o coração! Todos os meus sentidos se agitam à procura de novas sensações! Sinto o meu coração entregue inteiramente a ti! Tu deves! Tu deves aparecer! Custe-me embora a vida!


Decide então sair a passear com seu assistente, Wagner, e ambos são seguidos por um cão vagabundo no caminho de volta a casa.
No interior do estúdio, o cão se transforma em Mefistófeles. Os dois chegam ao acordo - selado com sangue - de que Mefistófeles fará tudo o que ele quiser na Terra e, em troca, Fausto terá de servir o demônio no Inferno.

FAUSTO
Que escrito exiges também, pendente? Não conheceste ainda nenhum homem de palavra? Não basta que a minha palavra falada eternamente ressoe até o fim dos meus dias? Enquanto o mundo continua a ser arrastado por mil turbilhões, devo eu ficar preso por um compromisso? Todavia esta ilusão está assente em nosso coração, quem poderá libertar-nos dela? Feliz que traz no coração a confiança pura; jamais se arrependerá de nenhum sacrifício! Mas um pergaminho, escrito e selado, é um fantasma diante do qual todos se espantam. A mera palavra escrita nada vale, a cera e o couro dominam. Que queres de mim, espírito de mal? Bronze, mármore, couro, papel? Devo escrever com estilete, cinzel, pena? Dou-te livre escolha.

MEFISTÓFELES
Como podes arrebatar-te tão calorosamente assim na tua oratória? Qualquer farrapo de papel sempre serve. Tu assinas com uma gotinha de sangue.



Mas há uma cláusula importante: a alma de Fausto será levada somente quando Mefistófeles crie uma situação de felicidade tão plena que faça com que Fausto deseje que aquele momento dure para sempre. Após o pacto, o demônio o leva a uma taverna em Leipzig - o Porão de Auerbach - onde se encontram com um grupo de estudantes bêbados. Fausto, porém, não encontra ali nada que lhe agrade.

Dali, os dois vão em presença de uma bruxa, que por meio de uma poção dá a Fausto a aparência de um homem jovem e belo.

FAUSTO
Contraria-me esta louca bruxaria! Tu que gozo me prometes no meio desta trapalhada? Vou eu pedir conselhos a uma velha? E esta imunda cozinha vai tirar-me uns bons trinta anos de cima do corpo? Ai de mim! Se não sabes de coisa melhor! Minha esperança já se desvaneceu. A natureza e um nobre espírito não me chamaram bálsamo?

MEFISTÓFELES
Meu amigo, falas de novo sensatamente agora! Para te rejuvenescer também há um meio natural; mas ele se acha em um outro livro e é um capítulo maravilhoso.

FAUSTO
Quero sabe-lo.

MEFISTÓFELES
Bem! Um meio que dispensa dinheiro, médico e feitiço: Dirige-te agora mesmo a um campo, começa a cavar com picareta e enxada, conserva o teu corpo e teu espírito, num círculo inteiramente limitado, nutre-se de alimentos frugais, vive com o gado como gado e não consideres humilhação adubares tu mesmo o campo de que colhes os frutos; isto é o melhor meio, creia, de rejuvenesceres até os oitenta anos!

FAUSTO
Não estou habituado a isto, não posso acomodar-me a pegar a pá com a mão. Esta vida difícil não vai comigo.

MEFISTÓFELES
Neste caso deves aceitar os serviços da feiticeira.

FAUSTO
Porque justamente da velha? Tu mesmo não podes fermentar a bebida?

MEFISTÓFELES
Seria um belo passatempo! Eu preferia, entretanto, construir milhares de pontes. A obra não requer somente arte e ciência, mas requer também paciência; um espírito tranquilo ocupa-se com ela longos anos, Só o tempo faz poderosa e dedicada fermentação. E todos os ingredientes são causas absolutamente estranhas! Na verdade, o diabo o ensinou à feiticeira; somente não o pode fazer sozinho.
(Entreolhando os animais) Veja que raça encantadora! Aqui está a empregada, aqui está o empregado! (Aos animais) Parece que a patroa não está em casa?

A imagem de Helena de Tróia aparece num espelho mágico, e sua beleza impressiona Fausto enormemente (Helena será personagem importante na Parte II). Na rua, Fausto vê a bela Margarida (Gretchen), e pede que Mefistófeles a consiga para ele.

FAUSTO
Minha bela fidalguinha. Posso ter ousadia de oferecer-lhe o meu braço e a minha companhia?
MARGARIDA
Não sou fidalga nem bela, posso ir desacompanhada para casa. (Livra-se dele e parte)
FAUSTO
Céus, esta pequena é mesmo bonita! Nunca vi coisa igual. Ela é tão rica de moral e de virtude, todavia um tanto arrogante ao mesmo tempo. Do vermelho dos lábios, do brilho das faces, enquanto eu viver não me esquecerei! O mundo porque ela baixa os olhos deixou profunda impressão no meu coração; como estava pouco amável, acresceu agora ainda mais o arrebatamento! (Mefistófeles apresenta-se)
FAUSTO
Ouça, você precisa me arranjar esta beldade! Trata de arranjar-me um presente para ela. (Sai)

MEFISTÓFELES
Tão depressa presentear? Bravo! Ele terá êxito! Conheço muito belos lugares, com muitos tesouros há longo tempo enterrados; devo fazer uma ligeira revisão. (Sai)

Para o demônio é uma dura tarefa devido à natureza pura da menina. Com jóias e a ajuda da vizinha Marta, Mefistófeles consegue um encontro no jardim entre Fausto e Margarida. A moça tem medo de levá-lo ao seu quarto devido à mãe. Fausto dá uma poção do sono a Margarida para adormecer a mãe mas, tragicamente, a poção termina matando-a.
Margarida tem o pressentimento de estar grávida. Valentim está enfurecido pela relação da irmã com Fausto e o desafia a um duelo. Ajudado por Mefistófeles, Fausto mata Valentim, que antes de morrer lança uma maldição contra a irmã.


VALENTIM
(Apresenta-se.) Quem estás seduzindo ai? Pelos elementos infernais! Maldito caçador de ratos! Vá para o diabo, primeiro, o instrumento! Vá para o diabo depois o cantor!

MEFISTÓFELES
Eis bipartida a cítara! Não pode mais ser utilizada.

VALENTIM
Chegou a hora da fratura do crânio.

MEFISTÓFELES
(A Fausto.) Não ceda, Sr. Doutor. Firme! Prenda-se fortemente a mim, como eu guiar. Para fora a sua durindana! Ataque que eu aparo.

VALENTIM
Apare este!

MEFISTÓFELES
Por que não?

VALENTIM
Também este!

MEFISTÓFELES
Certamente!

VALENTIM
Creio que é o próprio diabo quem combate! Que é isto então? Já a minha mão torna-se dormente.

MEFISTÓFELES
(Para Fausto.)  Desfere o golpe!

VALENTIM
(Cai) Ai de mim!

MEFISTÓFELES
O bruto agora está manso! Fujamos pois! Devemos desaparecer imediatamente: Pois já se levanta uma gritaria medonha. Sei que me acomodo bem com a política, mas mal com o fôro crime.

MARTA
(Na janela.) Socorro! Socorro!

MARGARIDA
(Na janela) Tragam uma luz!

MARTA
(Como acima.) Trocam-se injúrias e cutiladas, grita-se e combate-se.

O POVO
Já está deitado aí um morto!

MARTA
(Adiantando-se para fora.) Os assassinos fugiram então?

MARGARIDA
(Adiantando-se para fora) Que faz aí?

O POVO
O filho da tua mãe.

MARGARIDA
Deus todo-poderoso! Que desgraça!

VALENTIM
Eu morro! Dito e feito! Que fazem vocês, mulheres, berrando e lastimando-se? Cheguem para cá e ouçam o que vou dizer: (Todas dirigem-se ao redor dele.) Minha Margaridinha, vê, és ainda muito jovem, não és absolutamente ainda bastante sensata, procedes mal. À puridade eu te digo – não passas de uma prostituta. Assim, sê uma prostituta às direitas.

MARGARIDA
Meu irmão! Santo Deus! Que é isto comigo?

VALENTIM
Deixa o nosso bom Deus fora da brincadeira. Infelizmente, o que tinha de acontecer já aconteceu e as coisas marcharão como puderem. Começas botando um dentro de casa; depois dêsse virão outros mais: E, quando uma dúzia te tiver possuído, então a cidade inteira te possuirá. Quando da primeira vez a desonra veio ao mundo, foi trazida em segredo e puxou-se lhe o véu da noite sobre a cabeça e orelhas; sim, poderíamos sufocá-la de bom grado.  Cresce ela, porém, e se faz grande, torna-se então mais visível à luz do dia e nem por isso ficou mais bela. Tanto mais feio é o seu rosto tanto mais procura ela a luz do dia.
Já vejo na verdade o tempo em que todos os honrados burgueses se afastarão de ti, prostituta, como de um cadáver infectado. Teu coração deverá desanimar dentro do peito, quando eles puserem os olhos em ti! Não deves mais usar cordão de ouro! Na igreja, não deves mais ficar junto ao altar! Com uma bela gola de renda, não mais te deliciarás na dança! E num sóbrio hospital, entre mendigos e aleijados, deverás esconder-te, e, mesmo que Deus te perdoe, sobre a terra será maldita!

MARTA
Recomenda tua alma à graça de Deus! Queres ainda carregar blasfêmias sobre ti?

VALENTIM
Pudesse eu castigar-te no teu sêco corpo, infame alcoviteira! Esperaria então achar para todos os meus pecados indulgência plenária.

MARGARIDA
Meu irmão! Que penas infernais!

VALENTIM
Eu te digo: Deixa de chorar! Foi quando te declaraste desonrada que me deste o maior pesado golpe no coração. Eu caminho para Deus, através do sono da morte, como um soldado e um bravo. (Morre.)
Margarida busca conforto espiritual numa catedral, mas é atormentada por um espírito maligno que a enche de sentimentos de culpa.
Para distraí-lo de Margarida, Mefistófeles leva Fausto à festa da Noite de Santa Valburga (Walpurgisnacht), onde celebram juntos bruxas e demônios. Uma jovem bruxa tenta seduzir Fausto em vão. Enquanto isso, Margarida afogou o filho recém-nascido num sinal de desespero e foi condenada à morte pela justiça. Fausto sente-se culpado por isso e acusa Mefistófeles, que replica que é Fausto quem tem toda a culpa. O demônio consegue a chave da cela de Margarida e Fausto tenta fazer com que ela escape, mas ela resiste porque percebe que ele já não a ama. Ao ver Mefistófeles, Margarida grita "Meu Deus, toda me entrego a teu juízo!". Mefistófeles tira Fausto da cela e diz que "Foi julgada!". Em seguida, um coro celestial afirma "Salvou-se!", indicando que a pureza de Margarida salvou sua alma.


Nenhum comentário:

Postar um comentário