O Existencialismo em Memórias do Subsolo

O Existencialismo em Memórias do Subsolo:
Uma Possível Aproximação Entre Literatura e Filosofia


Disciplina: Filosofia
Nível de Ensino: Médio
Série: A atividade foi planejada para uma turma de 3º ano
Problema: Porque a opinião do outro exerce tanta importância sobre nós? Até que ponto as interações sociais influenciam ou restringem nosso agir?  Incontáveis problemas podem surgir numa sociedade composta por indivíduos totalmente diferentes uns dos outros, afinal de contas, não funcionamos como um formigueiro. Nota-se um mal-estar na atualidade tecnológica e imediatista, em que a reflexão aparece após o agir.
Tema da unidade:  Existencialismo, Empatia, Outro, Sociedade, Natureza
Período de execução do plano: 1h30min
Objetivo geral: Problematização de questões pertinentes ao contexto literário da obra Memórias do Subsolo de Dostoiévski com vistas à atualidade.
Objetivos específicos:
Relacionar a obra com o contexto sócio-cultural atual;
Discutir os principais temas abordados na obra;
Refletir sobre o que transmitimos, ou tentamos transmitir, ao outro;
Apreciar a obra literária enquanto estudo filosófico;
Conteúdos constituidores da aprendizagem:
Existência;
Liberdade;
Empatia;
Alteridade;
Moral;
  

Plano de Atividade que tem como referencial teórico a obra “Memórias do Subsolo”, de Fiódor Dostoiévski.

Metodologia

Introdução 20min: Enviamos materiais de apoio uma semana anterior à oficina, como textos, mídia e ementa, cabe ressaltar na introdução.
No início há uma breve apresentação dos ministrantes da oficina, seguida de uma sucinta apresentação da vida e obra do autor com trechos selecionados do ANEXO I. Explicação da proximidade entre literatura e filosofia (ANEXO II) e qual a relação da obra “Memórias do Subsolo” com a vertente filosófica do existencialismo (ANEXO III).

Sensibilização 30min: Mostra de trechos da primeira temporada da série 13 Reasons Why do serviço de streaming da Netflix, que introduzem o problema da atividade. Como a série possui direitos autorais, não é possível baixar algum episódio. Deve-se ter acesso ao serviço e à internet durante a atividade. Para boa sensibilização, recomenda-se ainda que os ministrantes saibam falar sobre a série no geral, pontuando do que se trata cada parte. Após a visualização serão feitas algumas perguntas. Trechos:
Ep. 3: do minuto vinte e seis ao minuto vinte e oito e vinte;
Ep. 4: primeiros dois minutos e cinquenta segundos;
Ep. 5: do minuto quarenta e um ao minuto quarenta e três e meio;
Ep. 12: do minuto sete e quarenta até o minuto dez;

Perguntas:
Qual a importância daquilo que o outro expressa?
Qual a importância da opinião nesse ínterim?
O outro exerce influência sobre mim?
A sociedade é responsável por determinar e perpetuar certos padrões de conduta?
Essas perguntas devem abrir o primeiro debate da oficina. Possivelmente alguns alunos já assistiram ou tenham ouvido falar sobre a série viral, o que pode facilitar tal debate.

Problematização 20min: Apresentação de um trecho do filme “Notes from Underground”, de 1995, em que o personagem central  explícita o fato de não referir-se apenas a si mesmo, mas também, a sociedade em geral. A oficina busca utilizar de outras ferramentas audiovisuais para contextualização do problema central, assim como, possibilitar aos alunos uma compreensão mais clara ao que refere-se a construção pedagógica.
Logo após, partiremos para a atividade de escrita dos participantes. Cada um receberá uma folha, onde deverá descrever o que acredita que o colega ao lado pensa sobre ele, partindo de uma reflexão diante do convívio mantido na escola ou fora dela. Ficará por conta de cada participante mostrar ou não seu manuscrito, o objetivo é possibilitar que na apresentação seguinte se torne esclarecida a importância da reflexão individual sobre tudo aquilo que nos cerca, sobre nossa relação com o mundo.

Conceitualização 20min: Cada ministrante trará à discussão um trecho selecionado direto da obra “Memórias do Subsolo” e o apresentará. Existem outras possibilidades, no entanto, abaixo seguem os trechos que mais chamaram a atenção para a proposta da oficina. Essas últimas reflexões em debate, encerram as atividades com o 3º ano. Ei-las:

1. A Sociedade (vontades e vantagens)
Na primeira parte da obra Memórias do Subsolo, depois de elencar algumas de suas inseguranças, inquietações e aversões sobre muitas esferas da vida em geral do século XIX, a personagem central da obra de Dostoiévski chega ao âmbito da sociedade, do ser humano. Aqui, ela chama de “inocente criatura” aquele que acredita que o ser humano comete infâmias simplesmente por desconhecer seus próprios interesses. Que, se instruído corretamente; se lhe abrirem os olhos, este se tornaria imediatamente bondoso e nobre, pois veria no bem seus próprios interesses. E ninguém é capaz de agir conscientemente contra o Bem. “O que achais? Acontecem tais casos?” Ainda, sobre as vantagens humanas, a personagem afirma que qualquer um seria louco de se colocar contra elas, de escolher, conscientemente, um caminho onde não haja tranquilidade, bem-estar, honra.
Mesmo assim, ao classificarmos as vantagens humanas deixamos, conscientemente, uma delas fora do cômputo, não nominada, excluída da lista, mas é, fundamentalmente, a mais importante de todas e pela qual o homem, se necessário, estaria pronto a ir contra todas as leis. Uma vantagem admirável justamente por destruir todas as classificações e sistemas elaborados por nós. Teorias e sistemas esses que não passam de logística para explicar à humanidade seus próprios interesses, suas próprias vantagens – a fim de que ela se torne imediatamente bondosa e nobre ao atingir tais vantagens. Ou seja, a narrativa traz que a renovação de toda espécie humana por meio de seus interesses é o mesmo que afirmar que o homem foi suavizado pela civilização, tornando-se assim menos sanguinário e menos dado à guerra.
Percebam que, segundo o homem do subsolo, a humanidade é tão afeiçoada aos seus sistemas, à sua razão, que ela é capaz de deturpar a verdade a fim de justificar a sua lógica. “É só olhai ao redor. O que suaviza em nós a civilização?” A civilização cria no homem apenas a multiplicidade de sensações e nada mais. E através do desenvolvimento dessa multiplicidade o homem talvez chegue ao ponto de encontrar prazer em derramar sangue. Pois, se o homem não se tornou mais sanguinário com a civilização, ele se tornou ao menos, sanguinário de modo pior.
por Mateus*

2. O Caos Humano
Ao longo da obra, podemos notar que a todo momento o autor busca aproximar o personagem e suas características a imagem do homem moderno. Durante a primeira parte do livro, o autor irá trabalhar com as concepções e visão de mundo do homem do subsolo. Esta primeira parte será caracterizada por suas inquietações, inseguranças, desejos e aversões.
Os últimos parágrafos que se prosseguem como ponto de transição da primeira parte da obra para sua segunda parte, o autor busca apontar o caos como uma característica presente de forma intrínseca no homem. Dostoiévski busca exprimir a ideia que toda a desordem e confusão remetem de certa forma prazer ao homem. Deixando de forma explicita sua crítica à sociedade moderna, o autor responsabiliza o meio por promover determinada “inércia” desta característica primitiva do homem.
Buscando então aproximar o contexto literário da obra juntamente a uma vertente filosófica, acredito que o contratualismo de Hobbes consiga promover uma concepção menos subjetiva a respeito do enredo da obra. Da saída do estado de guerra pela busca da autoconservação e garantia de subsistência, Hobbes irá se opor a teoria de Aristóteles a respeito da sociabilidade humana. Para ele, o homem não adentra a sociedade civil por necessidade de conviver com outros indivíduos, mas sim, por interesses mútuos. O objetivo da aproximação será associar a ideia expressada pela autor a respeito do caos humano, juntamente a concepção do homem em seu estado de natureza descrito por Hobbes.
O homem do subsolo sendo aquele que abdica de sua natureza primeira, aceita por necessidade adentrar a sociedade civil, limitando seu agir de acordo com leis, normas, códigos de conduta e até valores morais e éticos instituídos nela - ou seja, a sociedade irá controlar a conduta humana, ao mesmo passo que o homem do subsolo terá reprimido em si os seus desejos mais obscuros e inerentes a sua natureza.                            
por Caroline*

3. O Jantar, ou Sobre a Necessidade da Autoafirmação:
Na segunda parte do livro, o personagem anti-herói de Dostoiévski passa a expor algumas de suas experiências. Uma delas é um jantar entre “amigos” para festejar uma despedida, porém, além de ter se convidado para o jantar, não ter dinheiro para ir, ele não gostava daquele que se despedia. Sim, prestemos atenção a este ponto. Por que alguém em plena consciência faria algo assim? Será que agir de tal forma não está tão distante do nosso dia a dia? A discussão se dá quando buscamos saber se há uma relação dessa memória com algumas situações que podem ser notadas hoje, a partir da interação entre os ministrantes e os alunos. Ela haverá? A trama psicológica desenvolvida por Dostoiévski oferece interpretações variáveis sobre vieses diferentes, no entanto, tentamos nos aproximar daquilo que poderia ser consensual em estudo.
Em tal contexto nos perguntamos se nos castigamos voluntariamente por coisas externas a nós mesmos; o homem do subsolo parece castigar-se, pela sua incapacidade de alcançar seus objetivos, pela própria inércia. Mas essa inação se dá por conta de que? Quais os motivos para temer o que o outro vai pensar sobre mim? Desejamos passar através de nosso caráter uma imagem que parece muitas vezes, superior ao que somos, e onde encontramos razões para isso?
Seria pretensioso atribuir tais problemas à moral vigente. Parece-nos um dilema profundo, em que a afirmação de que “somos aquilo que o outro vê” surge como possibilidade de entendimento. Há aqui uma aproximação com Sartre. Se somos aquilo que o outro vê, e somos livres para nos definirmos,  não precisamos construir disso uma imagem agradável aos outros que nos cercam? E isso é necessidade?
por Éverton*


ANEXO I, sobre a vida e a obra do autor;
Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski nasceu em Moscou no ano de 1821. Talvez nunca tenha sido alguém com personalidade fácil, durante toda a vida, se culpou por ter desejado a morte de seu pai, que não tratava bem seus servos. As causas da morte do pai são controvertidas, mas podem ter ligação com um assassinato. Se formou em Engenharia em 1843 e obteve o grau de subtenente. Em 1844 abandonou o exército e começou a escrever sua primeira obra, a novela Pobre Gente, que recebeu crítica mais positiva que as próximas, em seu lançamento. Nesta época o autor contraiu dívidas financeiras. Dostoiévski engajou-se na luta pela democracia na Rússia contra o regime autoritário de Nicolau I, e em 1849 foi preso e condenado. Daí um fato que marcou profundamente sua vida; sendo sentenciado à morte ao lado de outros prisioneiros pela participação em um grupo socialista, no momento de sua execução o fuzilamento foi cancelado, e a pena é trocada por cinco anos de trabalhos forçados na Sibéria. A experiência rendeu a obra Memórias da Casa dos Mortos. Em São Petersburgo dedica-se fielmente à escrita, produzindo então consideradas obras-primas da literatura mundial, como Crime e Castigo e Os Irmãos Karamazóv. Após alguns acontecimentos em suas relações amorosas, o autor volta a contrair dívidas, por conta de jogos e apostas. Lançando o livro O Jogador, consegue restabelecer suas finanças. A partir de 1873 começa a editar a revista Diário de um escritor, na qual publicava histórias curtas, crônicas e críticas literárias. Em 1880 homenageia Aleksandr Pushkin com um grandioso discurso, que falava entre tantas coisas, sobre o destino da Rússia. Termina de redigir por completo Os Irmãos Karamazóv e morre em fevereiro de 1881.

ANEXO II, sobre a proximidade entre literatura e filosofia;
Neste começo de ano o grupo PIBID UCS de filosofia já definiu algumas atividades para serem desenvolvidas ao longo do ano. Uma delas, a ser desenvolvida com as turmas de terceiros anos do ensino médio da escola São Caetano, será algumas oficinas sobre o elo entre a filosofia e a literatura. Mas o que a filosofia tem a ver com a Literatura?
Ambas fazem uso da linguagem para expressar algo. A diferença entre elas é que a filosofia tenta explicar um conceito, uma ideia e a literatura é uma narrativa que muitas vezes leva os seus interlocutores a refletirem sobre conceitos e ideias.
Outra diferença entre elas é o como se lê uma obra filosófica e uma obra literária. Normalmente ao realizar uma leitura filosófica é preciso reler várias vezes o mesmo parágrafo, ler comentadores e depois voltar a reler o mesmo parágrafo. Já com obras literárias não se tem essa necessidade, mas isso não implica dizer que obras literárias são mais fáceis. Quando estudamos o que está nas entrelinhas do que está no texto há também um esforço homérico para não perder nenhum detalhe.
Platão, um grande filósofo da antiguidade se enquadraria perfeitamente tanto como literário como filósofo. Nietzsche com seus aforismos e poemas. Schiller, Rousseau, Camus e Sartre foram, além de filósofos, autores de romances. E do outro lado temos Thomas Mann e Machado de Assis. Isso quando não temos Nietzsche citando Fausto de Goethe, ou Hermann Hesse que faz uso das teorias de Jung para estruturar um personagem. Muitas reflexões filosóficas são feitas sobre a literatura, ou por um viés estético, ou por linguístico.
É necessário muita criatividade e um grande teor artístico para transformar conceitos filosóficos em obras literárias e da mesma forma o inverso, buscar os conceitos dentro de narrativas literárias.
As narrativas artísticas dos autores literários dão um gosto, um sabor a mais nas teorias filosóficas, tornando-as mais interessantes de certa forma, por tirarem aquela parte dos sistemas filosóficos que é cansativa para uma leitura. A busca da compreensão dos conceitos e a sua veracidade pode ser percebida na literatura. Já tentaram escrever uma narrativa com base na concepção de homem de algum filósofo? Ou tentaram ver qual a concepção de homem que há, por exemplo, na popular série de livros As Crônicas de Gelo e Fogo de George R. R. Martin? Ambas exigem um trabalho de igual dificuldade.
Quando usada a linguagem mais artística, cabe ao leitor realizar suas interpretações e deixar-se levar pelas ideias e sentimentos que existem ali, na obra. Já os sistemas filosóficos exigem um raciocínio mais lógico, que não se deixa levar por qualquer tipo de interpretação se não aquela que o autor permite.
texto auxiliar produzido pelo bolsista de iniciação à docência Éverton Ferri*

ANEXO III, sobre a relação da obra Memórias do Subsolo com a vertente filosófica do Existencialismo;
Memórias do Subsolo é tida até hoje como uma das principais obras do existencialismo, e Dostoiévski é considerado como um dos primeiros a discorrer sobre o tema. Mas, em que consiste o Existencialismo? O existencialismo especula sobre o indivíduo e sua mundanidade, sobre a existência na realidade do mundo. Não há fuga daquilo que nos cerca e nem tentativa de explicar o mundo com teorias abstratas ou objetivas “verdadeiras”, pois não há verdades absolutas. O existencialismo enquanto objeto de estudo da filosofia surge no hiato entre as duas grandes guerras mundiais.
A obra de Dostoiévski relaciona-se com o Existencialismo por nos apresentar dilemas plenamente humanos. O fluxo de consciência, recurso literário que é usado para expor o complexo processo de reflexão do personagem está presente em toda a obra, envolvendo-nos mais profundamente com os problemas vividos pelo narrador em primeira pessoa, e ligando-nos diretamente  à realidade que cerca o personagem anti-herói. E é anti-herói não à toa, pois não se trata de um ser humano perfeito, um herói. Trata-se apenas de um homem recluso, um reflexo de uma sociedade hipócrita. O personagem volta-se para sua existência, sabe bem quem é, reconhece ser mal e não ter atrativos logo na primeira linha. No decorrer da história, torna-se cada vez mais difícil não nos identificarmos com ele e seus pensamentos. Se contradizer e não saber lidar com nossas fraquezas é demasiado humano, e são expostas as contradições da modernidade na obra.
A preocupação do autor parece voltar-se somente para o homem. Não há necessidade de outras especulações. E assim é relacionada à filosofia do existencialismo. A ênfase é a minha existência e o que dela tenho liberdade para fazer.

Lista de materiais utilizados:
Projetor;
Notebook;
Folhas de Almaço;

REFERÊNCIAS:
DOSTOIÉVSKI, Fiódor Mikhailovitch. Memórias do Subsolo. 5. ed. Editora 34, 2004. 147 p.

Nenhum comentário:

Postar um comentário