Metamorfose das punições: perspectivas da coerção disciplinar do corpo

Plano de Atividade

Plano de atividade elaborado com vistas à X Olimpíada de Filosofia do Rio Grande do Sul -
Etapa Regional de Caxias do Sul
Tema da Olimpíada de Filosofia: Se nossos passos vêm de longe, o que sabemos de nossas
heranças ancestrais?
Subtema (regional): Ainda somos os mesmos?
Título da Oficina de Filosofia: Metamorfose das punições: perspectivas da coerção
disciplinar do corpo
Disciplina: Filosofia
Nível de Ensino: Último ano do Fundamental e Médio
Série: A atividade foi planejada para turmas de 9º, 1º, 2º e 3º ano
Problema: A crise no sistema penitenciário é um dos grandes impasses que há anos o Brasil
enfrenta. Os números que relacionam os objetivos da prisão com suas reais situações são de
longe alarmantes. Desde superlotações, ilegalidades, corrupções, até estatísticas que apontam
à ineficiência de possíveis “correções individuais”. Muitos dos que saem da cadeia, logo,
acabam retornando a ela. Quais seriam os enlaces por trás de tais deteriorações? Como
vislumbrar novas possibilidades diante desse contexto? Uma análise de algumas concepções de Michel Foucault com vistas a elucidar a realidade brasileira, possuinte da quarta maior
população carcerária do mundo.
Tema da unidade: Ética; Bioética; Moral; Sistema; Controle; Poder; Punição
Período de execução do plano: 1h15min
Objetivo geral: Analisar e compreender as investigações centrais da obra de Michel Foucault
“Vigiar e Punir”, atentando às mudanças nos métodos punitivos e em que elas
desencadearam. Partindo disso, problematizar a punição no contexto sócio-cultural brasileiro,
visando situações análogas entre obra e exemplificações do gênero, buscando uma
participação coletiva cognitivamente significativa. Para além disso, espera-se contemplar a
importância de tais reflexões hoje e como elas podem almejar novos horizontes em nossa
sociedade.
Conteúdos constituidores da aprendizagem: Reflexão ética e bioética; Liberdade;
Alteridade; Criticidade;

Metodologia

Introdução e Sensibilização 8h45 até 9h15: Início da oficina filosófica que decidiu discutir
Vigiar e Punir, de Michel Foucault. O quadro estará sucintamente preenchido com o
andamento da obra Vigiar e Punir (ANEXO I). Breve apresentação dos ministrantes e do
autor. Explicação do tema central, a saber, genealogia das técnicas punitivas. Exposição
cronológica da obra: os suplícios e seus objetivos; extinção dos suplícios; a docilização dos
corpos; o panoptismo; a prisão. Tal apresentação, seguirá as linhas esclarecidas abaixo,
obviamente, foram selecionadas somente as partes interessantes à oficina.

Sobre o autor: Michel Foucault (1926-1984) foi um filósofo francês, filólogo, teórico social,
crítico literário e historiador do saber. É considerado por muitos como um dos autores mais
lidos no Brasil, principalmente em seus estudos sobre saber e poder. Tendo frustrado sua
família por não seguir a carreira de medicina, Foucault decidiu ir além em sua busca por
conhecimento. Formou-se em Filosofia, Psicologia e Psicopatologia. É autor de obras
conhecidas como “A História da Loucura”, “O Nascimento da Clínica”, “As Palavras e as
Coisas” entre outras tantas, como “Vigiar e Punir” que será nosso objeto estudo.
Sobre o tema: A obra tem como tema central um estudo científico sobre a história da
legislação penal e os métodos de repressão da delinquência, desde o século XVII até as
instituições modernas.

EXPOSIÇÃO CRONOLÓGICA DA OBRA

1) Suplício: O suplício era uma técnica empregada fortemente na era clássica, caracterizado
por penas corporais atrozes. Nesse tipo de punição, a intensidade do sofrimento deveria ser
equiparada ao crime cometido e ao nível social do infrator. O ritual do suplício tinha como
objetivo marcar o corpo do condenado, torná-lo infame e ser um meio para alcançar a
verdade do crime, ou seja, a confissão. Além disso, era um meio para manifestar o poder do
soberano em praça pública, o qual era visto como mediador da justiça de Deus.
Ao final do século XVII e no início do século XVIII, os suplícios ainda faziam parte
do funcionamento político da penalidade, mas logo foram criticados pelos iluministas e pelos
reformadores, por conta das suas atrocidades. Também por parte da população, a qual antes
havia sido personagem principal para a permanência do suplício mas que agora fortalecia sua
decadência. Abriu-se lugar para revoltas, agitações contra penas pesadas para delitos leves e
frequentes e, além disso, surgiam grupos que solidarizavam-se com os criminosos e
questionavam o poder cruel do soberano. Com isso, deu-se início a relatos escritos, que eram
postos em circulação, já que a justiça necessitava que a vítima autenticasse de algum modo os
suplícios que lhe eram impostos. Mas a consequência dessa literatura era ambígua, pois
muitas vezes, como diz Foucault (2002, p. 55) : “O condenado se tornava herói pela
enormidade de seus crimes largamente propalados, e às vezes pela afirmação de seu
arrependimento tardio.” A divulgação póstuma dos delitos justificava a justiça, mas também
trazia glória ao criminoso. Sendo assim, imediatamente os reformadores solicitaram a
supressão desses folhetins que desapareceram conforme foi desenvolvendo-se uma literatura
do crime bem diversa. Nessa nova literatura o crime era honrado, como feitio de seres de
exceção, como uma das belas artes. No âmbito da literatura policial, o criminoso tornou-se
sagaz e insuspeitável, trazendo à luz o confronto intelectual entre assassino e detetive.
Foucault (2002, pag. 56) diz: Nesse novo gênero, não há mais heróis populares nem grandes
execuções; os criminosos são maus, mas são inteligentes; e se há punição, não há sofrimento.
2) Punição: Na segunda metade do século XVIII, há protestos contra os suplícios em toda a
parte. Faz-se necessário uma nova técnica de punir, não mais uma vingança do príncipe
contra o corpo do condenado. É necessário que a justiça puna em vez de se vingar. O que vai
surgindo não é unicamente uma consideração para com a humanidade dos condenados, é
principalmente uma tendência para um monitoramento mais atento do corpo social. O
objetivo fundamental da reforma do direito criminal é firmar uma nova “economia” do poder
de punir, visando sua melhor distribuição para que não volte a concentrar-se em certos pontos
privilegiados, tornando-se mais eficaz e econômico. O novo direito de punir tem como
princípio a defesa da sociedade, aquele que atentar contra as leis estará lançando-se contra o
corpo social inteiro. As penas devem ser elaboradas não em função do crime, mas de uma

possível repetição que possa vir a ocorrer, uma punição que vise o futuro e tenha como uma
de suas funções a prevenção.
Mas logo essa economia do poder de punir será substituída por uma nova política do
corpo, que mescla as duas correntes divergentes que se formam no século XVIII, a rejeição
do delinquente como inimigo da sociedade e a busca pelo controle do criminosos através de
cálculos punitivos. Exige-se uma mudança no ponto de aplicação do poder: do corpo ao
espírito do condenado. Nesse contexto, a prisão dificilmente é apresentada como forma geral
de punição, principalmente por ser muito criticada pelos reformadores, pela incapacidade de
corresponder à especificidade dos crimes e porque não produz efeito sobre o público, etc.
Mas, o problema está no fato de que pouquíssimo tempo depois, a reclusão penal surge como
forma essencial de punição, destruindo todos os planos punitivos que se desejava no século
XVIII; sendo rejeitada tanto pelos juristas clássicos quanto pelos reformadores, não com
relação ao encarceramento como punição legal, mas ao uso fora da lei dessas detenções,
marcada por abusos de poder. Algumas características constituem esse novo modelo de
punição: a não-publicidade da pena, execução da pena feita em segredo, processos que visam
uma transformação do indivíduo e seus hábitos, o tempo como operador da punição, a prisão
como uma máquina para mudar os espíritos e, por fim, a construção de um saber sobre os
indivíduos (prisão como um aparelho de saber).
3) Disciplina: A docilização dos corpos: Na terceira parte da obra Vigiar e Punir, Foucault
analisa a disciplina que envolve inúmeros campos de adestramento na sociedade. O autor
investiga semelhanças crescentes desde o início da modernidade, entre instituições que
pretendem algo por trás de manejos disciplinares coercitivos e relativos ao corpo. A essa
procura Foucault dá o nome de “Os Corpos Dóceis”, referindo-se ao possível adestramento
que homem tende em determinados locais. Expõe-se, o exército e o ideal do que deve vir a
ser o soldado, para isso, o recruta deverá ser manipulado para que se alcance tal ideal. A
objetificação da manipulação corporal, atenta sempre ao interesse governamental e
comandante, deverá usar de meios que possibilitaram poder sobre os corpos, a docilidade. Os
meios fazem parte do grande conjunto de regras das “instituições de controle”. Como deverá
ser a postura de um soldado, a marcha conjunta, a pontualidade com os horários estipulados,
o treinamento físico-corporal, são alguns exemplos de uma disciplina que pretende algo além
de uma boa infantaria. Trata-se de possibilitar que o corpo torne-se mecânico em suas
agilidades, que a coerção aja sobre ele sem interrupção. (FOUCAULT, p.118)
O operário deverá se adequar às normas que controlam seu corpo nas fábricas que
estão se expandindo rapidamente no mesmo período. Eis outra instituição, também pontual
em seus objetivos. Interessa que o operário esteja atento somente às suas funções no trabalho.
O corpo não deve desvincular-se dessa servidão. Desenvolvendo-se constantemente as
técnicas de controle chega-se à atenção particularmente individual dos operários. Em que se
pode saber quem produz com rapidez, qualidade, constância, tornando-se viável a apreciação
pela qualidade individual do trabalhador. Esses homens se definem pelo que são capazes de
fazer disciplinadamente.
Outro exemplo que Foucault traz é a classe. Até aqui, se percebe como é abrangente o
controle social, e em quantos meios mais poderá ele ser notado? Na classe são muitos os
fatores que adestram os corpos dos alunos. A rotina e as severas obrigações mantém e
contribuem à formação politicamente direcionada. Se um aluno tira boas notas no que o
professor propõe, os outros devem seguir-lhe o exemplo. Aos que não se saem bem, são
aplicados corretivos que visam sempre sua adequação, visando o que se espera dele: mais
uma vez, seu corpo docilizado e disciplinado, adequado aos saberes que o poder fabrica. E
isso tange todas essas instituições.

Ainda na apresentação da terceira parte da obra, o panoptismo e suas implicações na
sociedade serão enfatizados. Sendo que, a investigação começa por seu surgimento e
difusão. Entender o panóptico será objetivo, e ter-se- á em vistas todo o capítulo que Foucault
dedicou a ele.
4) Prisão: Por fim, se constitui o centro de nossa atividade: as considerações finais sobre a
prisão, seus objetivos utópicos que atravessam um século, e seus fracassos reais ainda hoje
perceptíveis.
Problematização 9h15 até 9h45: Depois de debatermos a Prisão, aproxima-se dela a crise
no sistema carcerário brasileiro. Para isso, serão apresentados alguns trechos de reportagens
recentes em alguns presídios, elucidando a situação do nosso país. A escolha de algum vídeo
do gênero ficará por conta de quem ministrar o plano, são inúmeros os exemplos possíveis. A
oficina sempre esteve aberta às contribuições de cada participante, e neste momento se dá
ainda mais valor ao debate. Segue-se a discussão até o próximo e último momento.
Dados do INFOPEN (sistema de informações penitenciárias) sobre o sistema carcerário
brasileiro:
O Brasil tem a 4ª maior população carcerária do mundo; em média 622 mil presos; 93% são
homens; 40% são presos provisórios; 77% só concluiu o Ensino fundamental; 60% são
negros; a taxa de reincidência é de 60%.
Elaboração da apresentação 9h45 até 10h00: Produção de um cartaz com imagens
selecionadas e desenhos ou frases que mostrem as perspectivas dos participantes sobre todo
nosso estudo.
10h00 - 10h15: Intervalo
10h15 - 11h00: Apresentações em plenária geral dos cartazes, teatros, falas, considerações, e
encerramento da nossa X Olimpíada de Filosofia.
ANEXO I:
ALGUMAS CITAÇÕES CONSIDERÁVEIS:

Sobre os suplícios e sua extinção

“Sua finalidade é menos de estabelecer um equilíbrio que de fazer funcionar , até um
extremo, a dissimetria entre o súdito que ousou violar a lei e o soberano todo-poderoso que
faz valer sua força” pág. 42
“Se são necessárias penas severas é porque o exemplo deve ficar profundamente inscrito no
coração dos homens” pág. 43
“O suplício não restabelecia a justiça; reativava o poder” pág. 43
“O suplício se inseriu tão fortemente na prática judicial, porque é revelador da verdade e
agente do poder.” pág. 47
“Que o poder que sanciona não se macule mais por um crime maior que o que ele quis
castigar. Que fique inocente da pena que inflige.” pág. 48
“Impedir uma execução que considera injusta, arrancar um condenado às mãos do carrasco,
obter à força seu perdão, eventualmente perseguir e assaltar os executores, de qualquer
maneira maldizer os juízes e fazer tumulto contra a sentença, isso tudo faz parte das práticas
populares que contrariam, perturbam e desorganizam muitas vezes o ritual dos suplícios” pág.
50

“E se vê levar à morte um homem do povo, por um crime que teria custado, a alguém mais
bem nascido ou mais rico, uma pena relativamente leve.” pág. 51
Sobre a nova maneira de punir

“Que as penas sejam moderadas e proporcionais aos delitos, que a de morte só seja imputada
contra os culpados assassinos, e sejam abolidos os suplício que revoltem a humanidade.” pág.
63
“Fazer da punição e da repressão das ilegalidades uma função regular, coextensiva à
sociedade; não punir menos, mas punir melhor; punir talvez com uma severidade atenuada,
mas para punir com mais universalidade e necessidade; inserir mais profundamente no corpo
social o poder de punir.” pág. 70
“Todo malfeitor, atacando o direito social, torna-se, por seus crimes, rebelde e traidor da
pátria; a conservação do Estado é então incompatível com a sua; um dos dois tem que
perecer, e, quando se faz perecer o culpado, é menor como cidadão que como inimigo.” pág.
76
“Se a lei agora deve tratar humanamente aquele que está “fora da natureza”(enquanto que a
justiça de antigamente tratava de maneira desumana o fora-da- lei”, a razão não se encontra
numa humanidade profunda que o criminoso esconda em si, mas no controle necessário dos
efeitos de poder.” pág. 77
REFERÊNCIAS:
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. 27. ed. Petrópolis:
Vozes, 2002.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. MJ divulga novo relatório sobre população carcerária
brasileira. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Brasília, 26 mar. 2016. Disponível
em: <http://www.justica.gov.br/radio/mj-divulga- novo-relatorio- sobre-populacao- carceraria-
brasileira. Acesso em: 28 set. 2017.>

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