ENSINAR E APRENDER: O MODO DE FORMAÇÃO DO INDIVÍDUO

ENSINAR E APRENDER: O MODO DE FORMAÇÃO DO INDIVÍDUO

Rodrigo Souza da Silva; Viviana Furlan
Integrantes do PIBID-UCS Filosofia atuantes na escola estadual São Caetano[1].



O educador, juntamente com o educando, é responsável pelo resultado positivo do processo construtivo do educar. Neste âmbito educativo, faz-se necessária a curiosidade e o saber agir diante do conhecimento adquirido, um saber prático, outrora nomeado de práxis por Aristóteles, ou seja, o processo formativo extrapola a simples passagem/aquisição de saberes conforme apresentado no ensino de séculos atrás. Hoje, faz-se imprescindível a necessidade de uma escola que participe na vida do estudante, conhecendo a realidade daquele aluno que ri, chora, sofre e carrega em si a existência heideggeriana, o aluno “jogado ao mundo” em suas mazelas e prazeres. Assim, vemos que o caminho fenomenológico-ontológico inicialmente exposto em Heidegger (2012) permite visionar a possibilidade de compreensão como processo formativo humano e intrínseco a objetivação do processo formativo educacional. Na afetividade fenomenológica do ser heideggeriano existe um elo entre o ser na constituição de si com o conhecimento do que há no mundo como algo provisório e passível a reinterpretações e, somente visível como tal, no momento de submissão a essa necessidade interpretativa que gera a real sustentação da existência expressa em linguagem humana.

O professor, assim como o educando deve trabalhar visando à práxis e ambos, ao assumirem-se como aprendentes, devem aceitar a condição de ensinantes em suas formações, pois como Paulo Freire (2002) demonstra, é essencial a passagem da educação por este caminho de autonomia e assunção de responsabilidades.

O thauma[2] permite o nascer daquilo que é dado em múltiplos círculos hermenêuticos passíveis a novos questionamentos originários de aberturas, numa espécie de eterno perguntar. Por isso, é tão necessária a voluntariedade no ato de querer vivenciar a compreensão da linguagem exposta teoricamente entre os participantes, visando um aprimoramento cognoscitivo.  A alteridade necessária à compreensão existencial pode ser transposta à compreensão didática quando o fato, significante, exige uma resposta do ser frente ao que é chamado não apenas pelo conteúdo, mas por si próprio em relação a outro. A voluntariedade ativa no saber tem como força motriz o espaço que surge entre o prazer do agradável gerado pela própria descoberta e a aversão à força negativa gerada na percepção de sua ignorância. A capacidade de expressão e autonomia sobre o raciocínio interpretativo dos conteúdos a fim de capacitar o aluno como cidadão no mundo apresenta-se como objetivo central indo ao encontro do jogo gadameriano e da própria ética, pois ambos desenvolvem-se no terreno da sabedoria prática, impossível de se deter sobre projetos metodológicos determinantes de rumos a serem seguidos, perdendo a probabilidade de desdobrar-se frente ao desconhecido e inibindo qualquer ação criativa.

Assim, percebemo-nos inclusos no círculo cognoscitivo que distingue de modo quase imperceptível a compreensão e a intelecção, onde uma necessita deliberação ao agir e produzir, a outra alimenta-se de modo mecanicista, dependente de um agir metódico. Falar de formação humana sem nos remeter a necessidade do próprio ato de compreender deliberadamente é tão inviável quanto ensinar ‘transferindo’ o saber. O compreender hermenêutico torna-se um jogo de superação de autoritarismos e pré-determinismos, transformando-se em abertura. Este jogo comporta a bagagem advinda da tradição do indivíduo bem como os saberes adquiridos em suas vivências no qual, tornam-se constituidores livres. A afetividade fenomenológica apresentada por Heidegger comporta esta ideia ao observar-se atentamente sua aversão à tomada da essência como aquela constante a ser manipulada pelas ciências durante os tempos na procura de uma precisão surreal, esquecendo-se o fato existencialista de que o devir é um movimento inseparável do mundo.

A existência é movimento puro e indeterminado que se desenvolve no espaço/tempo somente enquanto é, desdobrando-se na afetividade das interrelações e se mostrando na realidade no momento em que acontece significativamente ao ser que participa dessa existência momentânea e tempestuosa de múltiplas realizações e mudanças. No educando ocorre algo semelhante quando este toma o reconhecimento de si como realidade histórica, o ser que é no presente e seu porvir. O aprender está nesse movimento de compreensão, espontâneo, mas profundo, que necessita da vivência do indivíduo como aprendente daquele e naquele instante, permitindo-se deixar envolver com toda a afetividade possível de ser desvelada nessa interrelação de pura abertura entre o que já foi com o que é e o que pode vir-a-ser. Momento este que somente é constituído graças à capacidade contida na linguagem humana, que ao possibilitar transpor fenômenos em realidade, torna disponível um espaço “entre” de produção e liberdade capaz de interligar o homem com sua razão histórica num mundo de infinitas possibilidades e aprendizados, tornando-o apto a agir produtivamente nessa dialógica entre gerações e conteúdos quando em exercício do olhar hermenêutico e de sua leitura artística.

O projeto PIBID dentro deste cenário hermenêutico fecunda tanto a percepção, quanto a prática do compreender em subordinação ao interpretar e vice-versa no porvir do fazer acontecer, transpondo assim neste conjunto de experiências hermenêuticas uma nova concepção à atuação docente, pois somos convidados a participar como atuantes leitores, agentes da realidade educacional, política e pedagógica visando todo caráter alternativo do porvir existencial e educacional. Ação esta que na “reta razão”[3], em concordância à práxis, torna-nos aptos a assumir o compreender proporcionando-nos a percepção da necessária existência de um diálogo entre nossos princípios, a tradição exposta pela história da humanidade e a inconstância produtiva da linguagem que se transpõe em realidade concreta ao contínuo aperfeiçoamento de nossas formações. Assim sendo, é imprescindível que o corpo educacional participe dialogicamente do processo formativo, permitindo originar o empenho e a assimilação da liberdade independente conjuntamente com a responsabilidade e valoração da tradição na releitura interpretativa. Fatores estes que complementam o discernimento e estimulam o questionamento rompendo com a estagnação limitante do imaginário exposto na linguagem histórica, transformando o questionar em possibilidades ainda ocultas nos pressupostos conhecimentos.

Palavras-chaves: compreensão, autonomia, hermenêutica gadameriana, formação humana, sabedoria prática.

Referências:

ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1ª ed. 1973.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra – Coleção Leitura, 25ª ed., 2002.

GADAMER, Hans-George. Verdade e Método I: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis: Vozes, 6ª ed., 2004.

HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo: § 32, Entender e Interpretação. Petrópolis: Vozes, 1ª ed., 2012.




[1] Professor Coordenador do PIBID-UCS Filosofia: Prof. Dr. Vanderlei Carbonara
Professora Coordenadora do PIBID-UCS Filosofia na escola São Caetano: Tenisa Zanoto Boeira

[2] Expressão filosófica usada primeiramente por Platão e Aristóteles para expressar o ato de espantar-se, admirar-se com algo como se fosse à primeira vez. Representa a ideia de uma curiosidade força motriz à pergunta em abertura a curiosidade epistemológica e ao saber.
[3] Referência ao pensar certo freiriano exposto em sua obra Pedagogia da Autonomia.

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